Processo 31/21.7BELSB – Acórdão TCAS, de 9 de maio de 2025

I – A remessa ao tribunal da resolução fundamentada faz cessar os efeitos que tinham resultado da citação no processo cautelar no qual foi requerida a suspensão da eficácia do ato.
II – No entanto, não se poderá conceber que esse efeito – perante a Requerente – se produza independentemente de saber se a mesma teve conhecimento da resolução fundamentada.
III – Uma das condições das quais depende a concessão das providências cautelares é a existência do designado fumus boni iuris, que se verificará quando seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente.
IV – O juízo de prognose efetuado em sede cautelar não poderá deixar de ponderar o regime do artigo 163.º/5 do Código do Procedimento Administrativo. Na verdade, a procedência da pretensão do processo principal apenas ocorrerá se i) o vício for reconhecido e ii) não for afastado o efeito anulatório. Se o efeito anulatório não se produzir, não obstante a ilegalidade verificada, a pretensão improcederá. Assim sendo, impõe-se concluir que o juiz cautelar terá de ponderar aqueles dois momentos em que se decompõe o juízo relativo à probabilidade da procedência da pretensão do processo principal.

Processo 982/21.9BESNT – Acórdão TCAS de 31 de outubro de 2024

I – No âmbito da impugnação de atos administrativos e da condenação à prática do ato devido, quando o juiz se confronta com a necessidade de apreciar a exceção da intempestividade da prática do ato processual – por sua iniciativa ou mediante invocação do demandado –, à luz do binómio sujeição a prazo v. não sujeição a prazo para a propositura da ação, terá de identificar a forma de invalidade que decorre dos vícios em causa.
II – Como há muito vem sendo dito pelo Supremo Tribunal Administrativo, o tribunal não avalia nesse momento da existência efetiva dos vícios, antes discorre como se eles existissem, determinar se, na hipótese de existir o vício sobre que então se debruce, dele advirá a nulidade ou, antes, a anulabilidade do ato.
III – Não poderemos identificar em qualquer despedimento sem justa causa a violação do conteúdo essencial do direito à segurança no emprego, sob pena de, afinal, e por via interpretativa, alargarmos a solução do artigo 161.º/2/d) do Código do Procedimento Administrativo a qualquer violação de um direito fundamental, ignorando desse modo que a norma exige que tal violação se reporte ao seu conteúdo essencial.
IV – É diferente um despedimento sem qualquer causa, arbitrário, ou por motivos políticos, ou até de género – ainda que quanto este não expressamente referido na Constituição -, quando comparado com um despedimento assente numa causa discutível, que possa situar-se fora do perímetro legal da justa causa, mas que não se coloque naquele nível básico que traduza uma flagrante negação da garantia da segurança no emprego, em especial decorrente de motivações especialmente abusivas.

Processo 209/11.1BESNT – Acórdão TCAS, de 16 de outubro de 2024

I – A obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas, que devam reentrar nos cofres do Estado, prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento (artigo 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de julho). Este prazo de prescrição interrompe-se nos mesmos termos da prescrição civil, ou seja, interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (artigo 323.º, n.º 1, do CC).
II – Releva sublinhar que este prazo prescricional de 5 anos estabelecido no sobredito diploma legal não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141.º do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, aplicável aos autos, aditado com “natureza interpretativa”, pelo artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro (n.º 3).
III – O prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 40.º, n.º 1, do DL nº155/92, de 28 de julho, que constitui norma especial, derroga a norma geral do artigo 309.º do Código Civil, sendo aplicável à reposição em questão nos autos.
IV – Determina o artigo 39.º do DL nº 155/92, de 28 de julho que “… Em casos excecionais, devidamente justificados, o Ministro das Finanças poderá determinar a relevação, total ou parcial, da reposição das quantias recebidas…”.

Processo 2513/13.5BELSB – Acórdão TCA S de 16 de outubro de 2024

I – Não é ao arguido que incumbe demonstrar a sua inocência, a qual se presume [artigo 32º, n.º 2 da CRP]; ao invés, é antes à entidade detentora do poder disciplinar que cabe o ónus da prova dos factos constitutivos da infração,
II – Em sede disciplinar, pese embora a fundamentação da decisão disciplinar não revista o mesmo grau de exigência que é reclamada no âmbito da decisão penal, é exigível que a fundamentação da decisão punitiva se apresente dotada de suficiente robustez para que o Tribunal possa julgar como provados os factos configuradores da prática da infração pelo arguido,
III – Quanto à obrigação de restituição, enquanto pena acessória, ela está associada aos efeitos previstos pelo artigo 81.º do EDTAFP, pelo que, tal como a decisão recorrida, o seu fundamento tem de estar enquadrado Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, que estabelece o regime da administração financeira do Estado (doravante, “RAFE”), mas que se reporta a quantias recebidas ilicitamente.

Processo 1599/12.4BELSB – Acórdão TCAS de 16 de outubro de 2024

I – O dano certo é aquele que, de facto, ocorreu ou que existirá, com elevado grau de probabilidade, no futuro. Observados os requisitos da responsabilidade civil, é um dano ressarcível.
II – O dano eventual é aquele que possui a característica de ser apenas imaginário, hipotético. Não dá lugar a qualquer indemnização.
III – O ressarcimento por perda de chance confere ao lesado a possibilidade de alcançar uma indemnização quando haja sofrido um dano, quando exista um facto que potenciou a produção desse dano, e uma impossibilidade de determinar com segurança um nexo de causalidade entre o facto e o dano, em razão do grau de incerteza em relação ao desfecho do processo causal hipotético.

Processo 1108/20.1BELRA – Acórdão TCAS de 3 de outubro de 2024

I – O artigo 26.º, n.º 1, da Lei 2/2004, de 15 de janeiro, alterada Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto, tem implícita essa ideia de período experimental do cargo dirigente, daí se compreendendo a razão pela qual este normativo se reporta expressamente à imposição do dirigente, para poder ganhar o direito a uma indemnização, ter de ter prestado 12 meses seguidos de exercício de funções.
II – Impõe-se, portanto, o exercício efetivo daquelas funções dirigentes [basta atender ao elemento literal da norma].
III – Por tal razão, o facto de o Recorrido ter sido suspenso daquelas funções antes de perfazer o seu exercício em 12 meses seguidos obsta à perceção da indemnização consagrada no mesmo artigo 26.º da Lei 2/2004, de 15 de janeiro, alterada Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto.

Processo nº 539/23.0BESNT – Acórdão do TCAS, de 19 de março de 2024

I – Há um chamamento constitucional das regras e dos princípios constitucionalmente previstos no processo penal para o procedimento disciplinar público, sintetizado no n.º 10 do artigo 32.º da CRP, onde se postula que, nos processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.
II – Tratando-se de providências que se afigurem convenientes à descoberta da verdade, o regime subsidiário a aplicar nos casos omissos será, em primeira linha, o que resultar dos princípios e normas de natureza probatória decorrentes do processo penal (Código de Processo Penal – CPP – e legislação complementar) que se mostrarem compatíveis com o procedimento disciplinar.
III – Ora, sobre as notificações da acusação, quando haja sido constituído mandatário, disciplina o artigo 72.º/3 do Lei n.º 37/2019, de 30 de maio, que para efeitos do exercício de direitos e poderes processuais, releva a data da notificação efetuada em último lugar.
IV – O disposto nos artigos 63.º e 112.º/2, alínea b) do CPA impõe o prévio consentimento do notificando quando se pretende usar a notificação por email, sendo certo que, quando o mandatário constituído no procedimento disciplinar apenas cedeu ao processo o seu endereço postal não pode, por isso, ser usado o email para o notificar, razão pela qual, ao alegar não ter respondido à “Acusação” por não ter sido notificado, é muito provável que o procedimento disciplinar em litígio padeça de uma nulidade insuprível, decorrente da falta de audiência do arguido e da eventual omissão de diligências essenciais de prova que ele pudesse vir a requerer na resposta à “Acusação”, dando-se como provado o fumus boni iuris.
V – Na ponderação de interesses, ela deve ser feita entre prejuízos ou danos e não entre os interesses em presença, pelo que só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem, de todo em todo, a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação, mercê dos prejuízos e danos que gera, deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao recorrente é que se impõe a execução imediata do ato.
VI – Neste juízo de ponderação intervêm diversos fatores, designadamente os reflexos que a suspensão pode ter nos efeitos de prevenção geral e de reprovabilidade social da medida sancionadora, o círculo onde a infração foi cometida ou se tornou conhecida, o tipo de serviço ou de instituição onde a mesma ocorreu, a natureza das funções aí desempenhadas pelo agente.

Processo 1276/19.5BESNT – Acórdão TCAS de 19 de março de 2023

I – Em matéria de meios de prova que se podem usar no procedimento disciplinar, teremos todos os meios de prova em direito permitidos (aplicação subsidiaria do princípio de processo penal presente no artigo 125.º do CPP e, bem assim, do previsto quanto à proibição de meios de prova, no artigo 126.º do CPP); convocando-se, ainda, quanto à inquirição de testemunhas, as regras de processo penal (com as devidas adaptações, o regime dos artigos 128.º a 139.º do CPP).
II – O artigo 4.º/1, alínea b) da Lei 35/2014, de 20 de junho remete para o Código de Trabalho toda a regulamentação dos direitos de personalidade dos trabalhadores, aplicável por remissão do artigo 7.º do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo DL 3/2014, de 9 de janeiro, na redação dada pela Lei 6/2017, de 2 de março, aplicável aos autos.
III – Fundamenta o Acórdão proferido em 28.11.2022, no Processo n.º 6337/21.8T8VNG.P1, pelo Tribunal da Relação do Porto, sobre o assunto, que “… sendo certo que o n.º 4 do artigo 28.º da Lei n.º 58/2019 dispõe que as imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou de outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal, o n.º 5 desse mesmo preceito acrescenta que, nos casos previstos no número anterior, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal…”, que acompanhamos.
IV – Os meios de videovigilância não podem ser utilizados com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador mas poderão ser utilizados como meio de prova, no apuramento de responsabilidade disciplinar:
a. se não estiver em causa o controlo do desempenho do trabalhador, e
b. caso os factos possam ter relevância criminal, independentemente de existir procedimento criminal.
V – A lei consente a instalação de sistemas de videovigilância pelas forças de segurança e as que exercem funções de prevenção e de investigação criminal, de acordo com o n.º 1 do artigo 2.º, da Lei n.º 1/2015, de 10 de janeiro, revista e alterada pela Lei n.º 9/2012, de 23 de fevereiro, visando: a) a proteção de edifícios, instalações públicas, instalações com interesse para a defesa e a segurança; b) a proteção de pessoas e bens; c) a prevenção da prática de crimes; d) a prevenção e repressão de infrações rodoviárias; e) a prevenção de atos terroristas; f) e a proteção e deteção de incêndios florestais.
VI – Prevê o Regulamento Geral dos estabelecimentos Prisionais, aprovado pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, na redação da Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, aplicável aos autos, que “… 1 – O recurso ao sistema de videovigilância só é admitido nos espaços comuns e na área circundante do estabelecimento prisional, com salvaguarda da intimidade da vida privada, para assegurar a ordem e a segurança no estabelecimento prisional, nos termos estabelecidos nos artigos 88.º e 90.º do Código e nos demais termos legais…”.
VII – As imagens CCTV, gravadas no Estabelecimento Prisional, deveriam fazer parte do PA e, em consequência, ter sido admitidas com esse enquadramento. O artigo 1.º/2 do CPA define “processo administrativo”, ou “processo instrutor”, como o conjunto de documentos, em sentido amplo, devidamente ordenados em que se traduzam os atos, factos e formalidades que integraram o procedimento administrativo que deu lugar à decisão impugnada, ou seja, que serviu de base à formação, manifestação e decisão dos órgãos da Administração Pública (e foi o caso, uma vez que o seu visionamento esteve, também, na base da decisão administrativa e constituiu, aliás, parte do seu fundamento).
VIII – Não tendo as imagens CCTV sido incluído no PA, é inquestionável que, considerando que o direito à prova surge como uma consequência natural da garantia constitucional prevista no supracitado artigo 20.º, n.º 1, da CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva), conclui-se que ser uma clara manifestação do princípio geral da tutela jurisdicional efetiva.