A prova pericial e a assistência técnica entre o meio de prova e o auxílio ao juiz no contencioso administrativo
A PROVA PERICIAL E A ASSISTÊNCIA TÉCNICA ENTRE O MEIO DE PROVA E O AUXÍLIO AO JUIZ NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
O PROCEDIMENTO DE NOMEAÇÃO
Eliana de Almeida Pinto
Juíza Desembargadora, TCA Sul
Resumo: no contencioso administrativo valem as mesmas regras do processo civil em matéria de meios de prova e auxílio das partes e juiz na interpretação dos factos, em especial quando se trata de matérias altamente especializadas. Importa, todavia, distinguir os meios de prova, em particular a prova pericial e a figura do assistente técnico. Os objetivos que ambos os institutos prosseguem e mecanismo de nomeação.
Palavras-chave: meios de prova; prova pericial; auxílios das partes e do juiz; nomeação de peritos, avaliadores e assistentes técnicos.
Evolução história e fundamentos da Prova Pericial
Etimologicamente o vocábulo prova deriva da palavra do latim proba, que se define como aquilo que mostra ou confirma a verdade de um facto por demonstração. A prova está assim, intimamente ligada ao meio processual, na medida em que vai demonstrar um facto, ou seja, formar no juiz a convicção de que o facto controvertido é verdadeiro ou falso.
A prova é a atividade realizada em processo tendente à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos, e a sua função é a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do CC).
O direito à prova surge como uma consequência natural da garantia constitucional prevista no supracitado artigo 20.º, n.º 1, da CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva), mas também como uma emanação dos direitos, liberdades e garantias que merecem tutela constitucional. Na verdade, a jurisprudência entende que o direito à prova é um direito intrínseco ao direito de acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva, considerando que um não poderia existir sem o outro. Esse é um entendimento bastante antigo, que se fez sedimentando na jurisprudência portuguesa, e advém do Tribunal Constitucional, mediante decisão proferida pelo Acórdão n.º 86/88 (D.R. II série, de 22-08-1988). Já nesta altura, o Tribunal Constitucional entendia ser o direito à prova um direito decorrente do direito de ação, bem como o direito de cada uma das partes oferecer as suas provas, controlar a parte contrária e discutir dentro do processo sobre o valor atribuído e o resultado concreto das mesmas.
Nas palavras de Alberto dos Reis, a atividade instrutória compreende de forma rigorosa duas modalidades, sendo, por um lado, a atividade de alegação e, por outro lado, a atividade de verificação ou demonstração do que foi alegado.
Inquestionavelmente a prova assume uma função primordial no âmbito do processo, consistindo em fornecer ao juiz todos os elementos necessários para que possa controlar a verdade dos factos alegados nos articulados, e é exatamente em concordância com esta função que assenta a definição de prova para Alberto dos Reis. Diz o autor que a prova “…é o conjunto de operações ou actos destinados a formar a convicção do juiz sobre a veracidade das afirmações feitas pelas partes…”.
Entre os vários meios de prova, a prova pericial é um dos mais relevantes, sobretudo quando o julgamento implica conhecimentos especializados para interpretar certas realidades. Ora, nos termos do artigo 388º do CC a prova pericial “… tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial…”. A intervenção do perito culmina com um relatório pericial que é valorado pelo tribunal de acordo com um princípio de livre apreciação da prova, sendo que o perito tem como função coadjuvar o juiz no exercício da função jurisdicional, devendo tratar-se de alguém que possui conhecimentos técnico-científicos indispensáveis ao bom julgamento da causa, cujo saber se afigura essencial para a conformação da convicção do juiz.
Regra geral, salvo as provas pré-constituídas, as provas são produzidas perante o tribunal, na pendência da ação, mais precisamente na audiência final (fase de instrução do processo), conforme artigo 410.º do CPC (objeto da instrução). Pode, assim, dizer-se que, no âmbito da atividade instrutória do processo civil, a produção da prova pericial é de muita relevância, na medida em que o juiz carece de conhecimentos técnicos profundos sobre determinadas áreas específicas e nessas situações o perito corresponde aos “óculos do juiz”.
O Código Afonsino, também denominado por Ordenações Afonsinas, foi o primeiro corpo legislativo da Era Moderna, em Portugal, tendo sido aprovado e publicado entre 1446 e 1447. Este Código era composto por 5 livros manuscritos e, pela sua abrangência e inovação, alcançou uma posição de destaque na história do Direito Português. No que diz respeito às perícias, as Ordenações Afonsinas abordam o tema, ainda que de forma indireta, no Livro I, Título XIII, que tratava “Dos Procuradores, e dos que nom podem fazer procuradores”.
Aí foram expressamente publicadas todas as normas inerentes ao desempenho do cargo de procurador, ou seja, de quem legalmente representa outrem através de procuração. Entre diversas regras percebe-se, pela leitura do texto, que os procuradores tinham que passar por uma seleção, “…Ordenamos, e Mandamos, que aquelles, que ouverem de seer Procuradores em a Nossa Corte e Casa, sejam examinados pelo, Nosso Chanceller Moor…” e os que fossem escolhidos receberiam a permissão para o desempenho da função, em carta fechada com o selo da chancelaria “…dê-lhes suas Cartas seelladas com o seello da Nossa Chancellaria…”. Tinham, ainda, que prestar compromisso de consciência “…fazendo-os hi jurar, que bem, e direitamente, e sem malicia tratem os feitos…”.
Às Ordenações Afonsinas seguiram-se as Ordenações Manuelinas, que mantiveram como base as Ordenações Afonsinas, mas trouxeram algumas novidades.
No Livro III, Título LXXXII, que se intitulou “Dos Aluidradores, que quer tanto dezer como Aualiadores, ou Estimadores”, percebe-se que pela descrição das funções do aluidrador, esta figura seja correspondente à do atual perito.
Estes aluidradores assistiam o juiz a avaliar e estimar bens ou danos nas vilas e cidades. Está descrito nas Ordenações “…e que bem e verdadeiramente façam o aluidramento que lhes for encomendado polpoendo toda afeiçam e odio que ajam a cada hua das partes, a que pertencer o aluidramento…” pelo que daqui se extrai que o profissional era já aqui advertido que devia fazer o seu trabalho de forma justa, mostrando-se isento de qualquer tipo de sentimento afeição ou ódio, que pudesse sentir por uma das partes e que viesse a afetar o resultado do seu trabalho.
Mais tarde, face ao domínio Castelhano que se seguiu, resultou o Código Filipino que ocorreu da reforma do Código Manuelino, iniciando a sua vigência em 1603. Nestas Ordenações, o legislador dispôs acerca dos “Avaliadores, ou Estimadores” no Livro III, Título XVII208 referente aos “Arbitradores”. A única diferença considerável, em primeira análise, relativamente ao Código Manuelino é que o legislador passou a usar a designação arbitrador em vez de aluidrador.
No entanto, atendendo que o CPC de 1939 definia a atual prova pericial como arbitramento, outro raciocínio se levanta. Sobressaem daqui as denominações Arbitrador e Arbitramento e, na nossa opinião, é notória a total conexão entre as figuras jurídicas. O arbitrador é exatamente quem auxilia na produção da prova por arbitramento. Significa isto, no nosso entender, que o legislador do CPC de 1939 se terá inspirado na disposição das Ordenações Filipinas, quando regulou e definiu a prova por arbitramento, sublinhando que o arbitrador é, tal qual o atual perito, um mero agente de prova.
Com a aprovação do primeiro Código Civil Português, também conhecido por Código de Seabra, todo o sistema jurídico das Ordenações foi afastado, tendo o legislador dado à prova pericial a designação de vistorias e exames, estabelecendo que a vistoria ou o exame seria empregue na averiguação de factos sobre os quais houvesse vestígios, ou pudessem ser sujeitos a inspeção ou a exame ocular. Portanto, no que reporta à prova pericial, o legislador descreveu este meio de prova dentro da secção relativa à prova por arbitramento e designou três modalidades distintas, ou seja, o exame, a vistoria e a avaliação.
O arbitramento foi, assim, desdobrado, mantendo o exame e a vistoria que advieram do código civil de 1867, e acrescentou a avaliação. O exame foi destinado a averiguações sobre coisas móveis, a vistoria a coisas imóveis, e a avaliação era usada para determinar o valor de bens e direitos.
Após surgem outras reformas e leis marcantes, nomeadamente o CPC de 1961, mas sem alterações relevantes na regulação da prova pericial. O legislador apenas fez referência ao perito, aos conhecimentos especiais deste e ao facto de o julgador poder não deter os conhecimentos técnicos necessários que lhe permitam julgar a causa.
Pois bem, com a reforma processual civil de 1995/1996, foi abandonada a distinção que se fazia acerca das várias subespécies de arbitramento (exames, vistoria e avaliação) reduzindo-se a uma, ou seja, à prova pericial, que perdura até aos dias de hoje, fixando-se a sua conceptualização como a atividade de perceção ou apreciação dos factos probandos efetuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos – cfr. artigo 388.º do CC.
Tal como anteriormente exposto, é o Direito substantivo que define o objeto da prova pericial que, indo ao encontro das definições acima apresentadas, compreende-se que a prova pericial é levada ao processo, quer por impulso das partes, quer por impulso do juiz, e tem lugar sempre que o julgador da causa não possui conhecimentos especiais que lhe permitam julgar com certeza. Essa perceção ou apreciação técnica decorre dos conhecimentos específicos que alguém possui e esse alguém é exatamente o perito.
Como se pode constatar, quer o Código Civil, quando determina o objeto da prova pericial, quer o próprio Código de Processo Civil, no regime jurídico da prova pericial, não esclarecem quais e o que são os conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, conforme se verifica pela leitura dos artigos 467.º a 489.º do CPC. Ao contrário, o Código de Processo Penal fê-lo, mais em concreto no artigo 151º, onde o legislador foi mais rigoroso, fazendo referência a conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. Entende-se, portanto, que o legislador civilista não foi tão criterioso na consagração desta matéria no CPC.
O legislador do código de Processo Penal determina, ainda, que a prova pericial deve ser solicitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, ou, quando tal não for possível ou conveniente, ela deve ser feita por perito nomeado pelo tribunal, atenta a honorabilidade e reconhecida competência na matéria em causa (artigo 152.º, n.º 1 do CPP) e apenas por um perito, podendo funcionar em moldes colegiais ou interdisciplinares, por exigência, respetivamente, da complexidade ou multidisciplinariedade do caso (artigo 152.º, n.º 2 do CPP).
Já no âmbito do Código de Processo Civil, a perícia pode ser requerida por qualquer das partes envolvidas no processo ou ser oficiosamente determinada pelo juiz. Esta é sempre requisitada pelo tribunal a um serviço oficial, um laboratório ou estabelecimento creditado, mas, quando tal não seja possível, ou seja, inconveniente, o juiz nomeia um único perito para a realização da perícia.
Pois bem, por força do artigo 1.º do CPTA – Código de Processo nos Tribunais Administrativos, todas as matérias não especialmente reguladas pelo contencioso administrativo devem reger-se pelas disposições do processo civil.
Assim, os laboratórios, estabelecimentos e serviços oficiais podem, no entanto, subcontratar outras entidades para a realização da perícia, desde que seja salvaguardado que não têm interesse algum na causa nem qualquer relação com as partes, determinando-se no n.º 4 do artigo 467.º do CPC que “…As restantes perícias podem ser realizadas por entidade contratada pelo estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, desde que não tenha qualquer interesse em relação ao objeto da causa nem ligação com as partes…”, recordando o regime especial das perícias médico-legais [o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses consta na Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, na redação dada pelo DL 53/2021, de 16 de julho]. Por outro lado, as atribuições do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses foram definidas pelo DL n.º 166/2012, de 31 de julho e regulamentadas pela Portaria n.º 19/2013, de 21 de janeiro. Em síntese, no caso das perícias médico-legais, elas são obrigatoriamente realizadas nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal, salvo manifesta impossibilidade dos serviços. Em caso de impossibilidade, as perícias poderão ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo próprio INML.
Não se tratando destes casos, e havendo lugar à nomeação de perito pelo tribunal, estes devem ser selecionados de entre as pessoas que possuam tais conhecimentos na área em apreço, sendo as suas habilitações e conhecimentos especializados decisivos para a escolha.
É certo que a Direção-Geral da Administração da Justiça mantém uma lista atualizada de peritos avaliadores por Distrito Judicial, à qual os juízes podem recorrer, mas tal lista está consagrada e regulada para efeitos dos procedimentos para a declaração de utilidade pública e para a posse administrativa dos processos de expropriação previstos no Código das Expropriações (DL 94/2009, de 27 de abril).
Contudo, trata-se de lista totalmente inapropriada para um grande número de perícias judiciais, muitas que imporão conhecimentos altamente especializados em matérias muito diversificadas (informática, médico-legal, ambiental, financeira, química, captação de águas, organizacional, mecânica, entre muitas outras), sobretudo no contencioso administrativo, razão pela qual se coloca ao juiz, sempre, a dificuldade da nomeação que lhe caberá.
O Procedimento
Considerando as finalidades que a Prova Pericial assume, ou seja, aportar ao processo conhecimentos especializados que detém e, com isso, dar um valioso contributo à realização da justiça, o procedimento de escolha para posterior nomeação pelo tribunal é relevante.
Assim, importa recordar que a perícia é paga pelas partes, mediante o pagamento prévio dos encargos decorrentes da sua realização, nos termos e para os efeitos do artigo 532º, nº 2, do CPC, sendo da responsabilidade da parte que requereu a diligência, não obstante poder ser apresentado requerimento a peticionar o alargamento do objeto daquela, já que esta faculdade configura o mero exercício do princípio do contraditório que lhe é facultado pelo artigo 476.º, n.º 1, do CPC. Aliás, o não pagamento dos encargos devidos pela requerida realização de uma perícia, e a cargo do requerente do meio de prova, implica a não realização da diligência requerida.
Caso a diligência seja deferida, o juiz emite despacho onde ordena a sua realização, indica o prazo de entrega do relatório pericial e aponta os quesitos que devem ser esclarecidos por parte do perito, recordando que o perito é, portanto, uma pessoa que atua no processo para auxiliar o juiz na compreensão e remoção de determinados obstáculos, no apuramento de factos relevantes para a decisão da causa.
Relevante é que as partes sejam ouvidas sobre a nomeação do perito, nos termos do n.º 2 do artigo 467.º do CPC, e, acrescentamos nós, para o efeito o juiz deve pedir a junção de curriculum vitae ao perito, de modo a que as partes possam sindicar a adequação do mesmo aos quesitos da perícia, não esquecendo que esse é o mais relevante pressuposto para a nomeação: a adequação da experiência e do conhecimento técnico especializado à resposta aos quesitos determinados. É que a idoneidade, competência, diligência ou zelo e colaboração são termos que estão plasmados na lei processual civil, nomeadamente nos artigos 467.º e 469.º, que definem, a nosso ver, a conduta profissional que se exige ao perito.
Sabendo-se que a perícia é paga pelas partes [se fosse paga pelo Estado, este serviço de justiça estaria sujeito às regras da contratação pública, pelo que, face ao critério valor, poderia tratar-se de um ajuste direto simplificado, consumando-se quando o órgão competente para a decisão de contratar aprova a fatura ou documento equivalente apresentada pela entidade convidada, comprovativa da aquisição, conforme artigos 128.º e 129.º do CCP], a elas cabe o relevante papel de pronúncia e contraditório. Nos casos em que a perícia é requerida pelo tribunal, os encargos recaem sobre a parte que aproveita da mesma. Dita, ainda, a lei que se as partes envolvidas no processo tiverem igual interesse na diligência ou realização da despesa, tirarem o mesmo proveito, ou não se consiga apurar quem é a parte interessada, os encargos são divididos em valor igual pelas mesmas.
Pois bem, inexistindo, como sucede em outros ordenamentos jurídicos, uma lista de peritos e avaliadores global, à qual o Juiz possa recorrer, sabendo que dela constam profissionais das mais variadas áreas do saber, e com conhecimentos especializados e experiência acumulada, e tendo em conta que a lista existente, atualizada permanentemente pela DGAJ, se reporta apenas aos procedimentos para a declaração de utilidade pública e para a posse administrativa dos processos de expropriação previstos no Código das Expropriações (DL 94/2009, de 27 de abril), o juiz pode e deve recorrer, se possível, a instituições públicas da área do saber em causa, para que possa ser indicado um perito com o perfil de saber adequado à perícia, mas se tal não for possível (por a entidade pública consultada responder expressamente não deter ninguém com o perfil desejado), ou se for desajustado no caso concreto fazê-lo (por razões de celeridade ou pela proximidade eventual a uma das partes), então o juiz pode e deve indicar um perito que lhe mereça a confiança técnica e a experiência desejada e ajustada ao caso, sabendo que as partes, que vão pagar a perícia, deverão ser sempre previamente chamadas a pronunciar-se sobre o perfil escolhido pelo juiz.
Recorda-se que os fundamentos da Prova Pericial são: a) conhecimentos especializados e experiência acumulada que permitam que o perito responda aos quesitos da prova pericial; b) existência de idoneidade, competência, diligência ou zelo e colaboração do perito. O perito, seja qual for o âmbito da sua atuação, deve desempenhar a sua função com zelo, de forma diligente e respeitar os deveres éticos e deontológicos inerentes à sua profissão. O seu papel não é tomar partido, mas sim esclarecer o juiz mostrando total imparcialidade; c) capacidade para ajudar na realização da justiça do caso concreto.
De resto, como forma de garantir a responsabilidade, integridade, idoneidade e caráter do perito, o artigo 479.º do CPC prevê que o perito, a não ser que seja funcionário público e a sua intervenção seja feita no âmbito do desempenho da sua profissão, preste um compromisso de cumprimento consciencioso da sua função, nos termos do artigo 279.º do CPC.
Por fim, o relatório pericial é sempre notificado às partes para que o possam analisar, ser conhecedoras do resultado obtido e, caso entendam que este contém algum paradoxo, lacuna, obscuridade ou que as conclusões que nele constam não estão convenientemente fundamentadas, possam reclamar, nos termos dos nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 485.º do CPC. O meio de reagir ao desacordo com o resultado da perícia é requerer a presença do perito na audiência final ou solicitar uma segunda perícia [a segunda perícia está prevista nos artigos 487.º a 489.º do CPC. A este propósito RODRIGUES, Fernando Pereira – Os Meios de Prova em Processo Civil. 2.ª ed. Lisboa: Almedina, 2016. ISBN 9789724064420, p. 149-150, onde se pode ler que “… Se as reclamações não forem atendidas, não podem as partes recorrer do despacho que as indeferiu, mas a discordância com o relatório apresentado pode servir de fundamento ao requerimento da segunda perícia…”].
Por outro lado, mas não menos relevante, os peritos têm direito a auxiliar-se de qualquer meio necessário para que cabalmente possam desempenhar a sua função e podem, por isso, requerer diligências, para que lhes sejam prestados esclarecimentos ou que lhes sejam concedidos elementos que constem no processo e podem requerer auxílios vários, nos casos das perícias mais complexas e extensas. O artigo 481.º do CPC, ao admitir estes meios, é claramente contribuir o mais possível para a indispensável compreensão dos factos e conduzir a uma, mais rigorosa e exaustiva, investigação pericial.
Por fim, as partes devem, em consequência, colaborar com o perito e prestar os esclarecimentos necessários para que este desenvolva e conduza o seu trabalho da melhor forma, mas às partes é reconhecido, igualmente, o direito de fiscalização da perícia e o direito-dever de colaboração, pelo que a Prova Pericial é altamente sindicada pelas partes, exercendo o juiz um papel moderador, imparcial, tendo como único objetivo obter, a final, um Relatório Pericial de qualidade, que aporte ao processo uma perceção técnica especializada, em domínios do conhecimento que ele não detém, sobre os factos, com respostas claras aos quesitos, capazes de contribuir efetivamente para a formação da convicção do julgador e, com isso, colaborando positivamente para a realização da Justiça do caso concreto.
O Assistente Técnico
Entre nós a figura do Assistente Técnico sobrevive, apesar de ser inúmeras vezes esquecida, sendo que a sua intervenção no processo pode ser feita pelo estímulo do advogado, das partes ou do próprio juiz, de acordo com a valoração que fazem acerca da necessidade ou não da sua assistência. Em muitos sistemas legislativos a figura do perito e do assistente técnico (con)fundem-se, sendo o perito visto como um assessor técnico do juiz.
O nosso ordenamento jurídico-processual civil não é, em princípio, propício a essa confusão até porque as esferas de intervenção estão legalmente definidas apesar de, no que respeita à regulação, nomeadamente do procedimento através do qual intervém o Assistente Técnico, a lei não ser clara.
A figura do Assistente Técnico tem ficado imune às reformas legislativas que têm sido levadas a cabo, contudo, não é uma figura à qual se recorra com frequência. Quando foi criada pretendia-se que, à semelhança do Processo Civil Italiano, o Assistente Técnico fosse um verdadeiro consultor técnico. Na realidade, a sua não utilização deve-se ao facto de a assistência técnica, em regra, não configurar meio de prova e ser, por isso, olhada com algum desconforto pelas partes, preferindo-se a realização de Prova Pericial porque mais exigente que o procedimento através do qual pode eventualmente intervir o Assistente Técnico. E digo eventualmente porque a intervenção do Assistente Técnico no Processo Civil Português traduz-se mesmo nisso: numa eventualidade condicionada a juízos de oportunidade daqueles que legalmente estão legitimados para requisitarem o auxílio técnico.
Efetivamente, o Assistente Técnico, deve estar presente na audiência final, e não se confunde com o perito designado para a Prova Pericial.
Pois bem, quanto à intervenção do Assistente Técnico dir-se-á que ela é requisitada pelo advogado e partes, tendo como fundamento além de influenciar a conformação da convicção do julgador acerca dos factos, fortalecer a posição sustentada pela parte que a solicita. Já quando a sua intervenção resultar de uma determinação do juiz, deve o Assistente Técnico comparecer na audiência de discussão e julgamento, estando assim integrado na fase de produção de prova por excelência, assumindo-se o Assistente Técnico como um auxiliar do juiz nos atos de produção de prova e de discussão da matéria de facto em audiência, cujos conhecimentos especializados são postos ao serviço da indagação, interpretação e avaliação de meios de prova com que, de outro modo, o juiz dificilmente lidaria. Faculta-o também o artigo 614º, especificamente para a prova por inspeção judicial.
Não há, todavia, dúvidas de que é uma figura que vem sendo a ser desconsiderado. Pretende-se que o Assistente Técnico seja um assessor do advogado das partes ou assessor do juiz? Pretende-se que intervenha no processo para esclarecer aspetos técnicos que não justificassem o emprego da prova pericial?
No que respeita à assistência técnica são três as questões que se reputam pertinentes: Quando? Como? Para quê?
A Assistência Técnica é um instituto versátil e que (se aproveitado) poderia ter efeitos muito positivos no processo, estando presente em várias disposições do direito vigente. Desde logo no nº 1 do artigo 50.º, segundo o qual “… Quando no processo se suscitem questões de natureza técnica para as quais não tenha necessária preparação, pode o advogado fazer-se assistir, durante a produção da prova e a discussão da causa, de pessoa dotada de competência especial para se ocupar das questões suscitadas…”. Mesmo no que respeita à prova pericial, também aí, se prevê a possibilidade de as partes serem assessoradas por um técnico, nos termos do artigo 480.º, n.º 2. Ainda nos termos do artigo 492.º, n.º 1, do CPC é referido que “…é permitido ao tribunal fazer-se acompanhar de pessoa que tenha competência para o elucidar sobre a averiguação e interpretação dos factos que se propõe observar… “. Nos termos do n.º 2 do artigo 492.º do CPC é aludido que o técnico é nomeado no despacho que ordenar a diligência e deve comparecer na audiência final.
Por outro lado, o artigo 601.º do CPC especifica ainda a intervenção do Técnico, por iniciativa do juiz, na audiência final se e na medida em que a matéria de facto suscite “… dificuldades de natureza técnica cuja solução dependa de conhecimentos especiais que o tribunal não possua …”, e ainda, nos termos do n.º 7 do artigo 604.º do CPC “… O juiz pode, em qualquer momento, antes das alegações orais, durante os mesmos ou depois de findos, ouvir técnico designado…”.
O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Fevereiro de 2010: no âmbito do Processo n.º 550/08.TTAVR.C1, Relator: Azevedo Mendes, é esclarecedor no que respeita às atribuições do perito no Processo Civil Português e ao papel do Assistente Técnico.
Em síntese, claramente o perito não se confunde com o Assistente Técnico, pois que, enquanto na prova pericial, o perito funciona como agente de prova, sendo ele que capta e aprecia os factos, o técnico que elabora o parecer, no âmbito do estipulado pelo artigo 601.º do CPC, não é agente de prova, mas mero auxiliar do verdadeiro agente, que é o juiz, a quem pertence a observação e apreciação dos factos, ao passo que a esse técnico cabe prestar os esclarecimentos (pareceres técnicos) ao juiz, como acontece com as partes. Daí que os técnicos assumam a função de contribuir para a compreensão do exato alcance a conferir à valoração da prova, de concorrer para que a valoração dos meios de prova seja efetuada nas melhores condições – de compreensão – possíveis, como resulta claro da leitura ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferida a 8 de novembro de 2011, no âmbito do Processo n.º 6439/07.3TBMT.S. P1, Relator: Aristides Rodrigues de Almeida.
Já Albertos dos Reis questionava o papel ou perfil processual deste Assistente Técnico, porque sendo dotado de conhecimentos especialmente relevantes, assume um papel relevante como auxiliar do juiz; ajudando-o a observar e interpretar os factos, não sendo agente da prova. Reconhece-se abertamente que a Assistência Técnica não é um meio de prova, mas antes um meio que complementa e supre as lacunas de conhecimento do julgador, em certas áreas do saber, no momento da averiguação e compreensão do verdadeiro meio de prova, permitindo-lhe assimilar em profundidade os factos.
Atualmente para que a intervenção do Assistente Técnico seja determinada é preciso antes de mais que o advogado e as partes ou o juiz entendam que essa intervenção é necessária, face à tecnicidade da apreciação da prova, pelo que permanece na integral disponibilidade das partes e/ou do juiz decidir pela requisição da sua intervenção.
Esta figura tem implícita a ideia fundamental de que no julgamento da matéria de facto o juiz, que se encontra no vértice da pirâmide, com a apreensão de todos os elementos probatórios carreados pelas partes para o processo, realiza a sua missão essencial: a procura da verdade material possível, com a finalidade de prestar um bom serviço ao cidadão e fazer justiça.
Portanto, a Prova Pericial, sendo um meio de prova, impõe uma colaboração permanente das partes, que devem assumir um papel de permanente fiscalização, devendo o Juiz promover todos os meios necessários para que a sua produção seja célere, eficiente, de qualidade, no respeito permanente pelo contraditório das partes quanto a todos os seus elementos essenciais, sobretudo sabendo que são elas que pagarão o encargo.
Já a utilização de Assistente Técnico, não se tratando de um meio de prova, mas um auxiliar das partes e/ou do juiz, torna-se mais simplificada, visando alcançar propósitos muitos distintos, ainda que igualmente relevantes.