Processo 431/21.2BELSB, de 27-02-2025 TCA Sul

I – A contradição insanável na fundamentação, que não respeita à oposição entre os fundamentos e a decisão, apenas acarreta a nulidade da sentença na medida em que traduza uma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC];
II – Não padece de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1 al. b) do CPC, a sentença que especifica as razões pelas quais conclui que a disciplina jurídica aplicável à relação de arrendamento não habitacional vigente entre ambas as partes não é exclusivamente de direito privado, antes é “permeável aos princípios e comandos do direito administrativo”;
III – Não se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, quando se verifica que a determinação da dominialidade do bem não constitui uma questão a apreciar, mas sim um mero argumento e que, de resto, foi abordado na sentença;
IV – A escritura pública (e, atualmente, também o documento particular autenticado) é o documento legalmente exigido, como condição de validade do contrato de compra e venda de imóvel (art.ºs 875.º e 220.º CC), para prova do contrato (art.ºs 364º, nº 1 e 383º, nº 1 CC), ao passo que o registo (art.º 7.º do Código do Registo Predial) constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define;
V – Se os factos cujo julgamento é impugnado não forem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pelo Tribunal de 2.ª instância da decisão proferida pela 1.ª instância;
VI – Incorre em erro de julgamento de facto, a sentença que, assentando a sua convicção em testemunhas, dá como provada factualidade que não resulta dos depoimentos por aquelas prestados;
VII – Com a aquisição do prédio onde se situa o locado pelo Município, aquele passou a integrar o domínio privado de uma entidade pública, pelo que a relação jurídica de arrendamento não se rege in totum pelo regime do arrendamento urbano conforme regulado pelo direito civil, antes é uma à qual confluem princípios e normas de direito administrativo;
VIII – A convocação do princípio da preferência ou preeminência de lei tem como pressuposto que existam duas normas, de distinta hierarquia, que se encontrem em conflito;
IX – Estando em causa a regulação do domínio privado municipal, não equiparável ao património imobiliário de um qualquer sujeito privado, inexiste conflito de normas entre o regime (civil) do arrendamento urbano e a previsão do 137.º do RPIML;
X – O artigo 62.º da CRP não representa parâmetro conformador da atividade regulamentar da Administração no que respeita à cessação das relações locatícias incidentes sobre o seu domínio privado;
XI – A previsão do 137.º do RPIML não padece de inconstitucionalidade orgânica, dado que não respeita ao regime geral do arrendamento urbano;
XII – À luz do disposto no artigo 137.º do RPIML não padece de erro nos pressupostos de facto a denúncia do contrato de arrendamento não habitacional relativamente a fração integrada em prédio do domínio privado municipal que se funda na circunstância de, tendo sido o prédio afeto à operação delineada pelo Município para a realização das políticas necessárias a dar resposta aos problemas habitacionais no território autárquica, a transmissão da propriedade plena do prédio, livre de ónus e encargos, integrar a remuneração do adjudicatário do “Contrato de Concessão relativo ao financiamento, conceção, projeto, construção/reabilitação, conservação e exploração de bens imóveis do Município de Lisboa, no âmbito do “Programa de Renda Acessível”, sitos na Rua d…”;
XIII – Não resulta violado o direito de audiência prévia nos termos do artigo 100.º do CPA, se o Recorrente nem sequer concretiza qual a regulação (normativa) que emerge do Programa Renda Acessível que entende corresponder a uma norma jurídica geral e abstrata e que produz efeitos externos;
XIV – A eventual preterição do direito legal de preferência na compra do locado [artigo 1091.º, n.º 1 al. a) do CC], não é de molde a afetar a validade da decisão de denúncia do contrato de arrendamento ou da norma regulamentar que prevê a denúncia quando o prédio se destine a fins de interesse público;
XV – Garantir à Recorrente a preferência na aquisição do locado, equivaleria a inviabilizar a atividade da Administração na prossecução dos interesses públicos a seu cargo, nos termos em que esta os definiu, o que significa que a aplicação das normas do Código Civil contraria a natureza própria do domínio (privado) da pessoa coletiva pública (artigo 1304.º do CC);
XVI – Não viola as normas concursais, o ato de adjudicação à proposta de concorrente cuja forma societária corresponde a uma sociedade por quotas, se a exigência da forma de sociedade anónima não respeita aos concorrentes, incluindo ao adjudicatário, mas sim à sociedade cuja constituição era imposta ao adjudicatário pelo Caderno de Encargos.

Processo 2859/24.7BELSB, de 27-02-2025 TCA Sul

I – Alegando a recorrente que “todos os factos” por si alegados deveriam ter sido dados como provados por a entidade demandada não ter apresentado contestação, não cumpre a mesma o ónus de especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
II – Os factos que não são instrumentais, complementares ou concretizadores dos factos essenciais alegados, nem notórios, e que não tenham sido alegados, não podem fundar a decisão da causa, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º do CPC.
III – O meio processual da intimação para a prestação de informações visa dar concretização à satisfação do direito à informação (procedimental e não procedimental), e não ao direito de petição dos cidadãos, não podendo ser invocado o dever de pronúncia da Administração, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do CPA, para lançar mão da intimação para a prestação de informações.

Processo 00329/07.7BEMDL, 1ª Secção – Contencioso Administrativo, 08-11-2024 TAF de Mirandela

I – Nos termos do artigo 68º do D.L. 197/99, de 08.07., no decurso da execução do contrato, a entidade adjudicante podia, a pedido fundamentado do adjudicatário, autorizar a cessão da correspondente posição contratual [nº.1], desde o eventual cessionário não se encontrasse em nenhuma das situações previstas no artigo 33.º e tivesse capacidade técnica e financeira para assegurar o exato e pontual cumprimento do contrato [nº. 2].

II- Ante a evidência que a cessão da posição de contratual foi autorizada sem a celebração do contrato de concessão que estabeleceria os direitos e obrigações a ceder, duas hipóteses são equacionáveis:

III – A primeira é que a cessão da posição contratual foi autorizada em situação não integrável na previsão legal [inexistia qualquer contrato a decorrer] e com preterição das formalidades previstas [falta de aferição da idoneidade legal, material e financeira da entidade cessionária].

IV – A segunda é que a autorização foi projetada para produzir efeitos após a celebração do contrato de concessão a formalizar.

V- Em qualquer das duas situações, a cessão autorizada não importa a produção de quaisquer efeitos.

VI- Isto porque, na primeira hipótese, o ato autorizativo representa a prática de um ato com objeto ou conteúdo impossível, o que o fulmina com o desvalor da nulidade, nos termos do disposto na alínea c) do nº. 2 do 133º [atual 161º] do C.P.A.

VII- Na segunda hipótese, a cessão da posição contratual é também nula ou inexistente, em virtude de não ter sido celebrado o contrato de concessão que estabeleceria os direitos e obrigações a ceder.

VIII- Não operando a cessão de posição contratual a produção de quaisquer efeitos jurídicos, inexiste qualquer fundamento jurídico que permita transpor à Autora, ora Recorrida, o dever de contratar estabelecido entre o Município Réu e a concorrente [SCom01…], S.A., situação que tem um verdadeiro efeito de implosão relativamente à pretensão indemnizatória formulada pela Autora na presente ação.

IX- Inexistindo, verdadeiramente, um “factum proprium” – ou seja, um ato anterior que, praticado pelo Réu, possa ter originado uma situação de confiança merecedora de proteção, resulta inequívoca a inexistência de qualquer excesso manifesto suscetível de integrar abuso do seu direito no tocante ao exercício do direito de recurso.*
* Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)

Processo 03248/15.0BEBRG, 1ª Secção – Contencioso Administrativo, 13-09-2024 TAF de Braga

A notificação para o exercício da audiência prévia não constitui facto interruptivo da prescrição nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 323º do Código Civil, porque ainda não é uma definição unilateral, autoritária, de uma situação jurídica.*
* Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)

Processo 01778/15.2BEBRG, 1ª Secção – Contencioso Administrativo, 17-05-2024 TAF de Braga

1. A aplicação da Lei da Amnistia em processo disciplinar movido por entidade administrativa, como é o caso, cabe à Administração e não aos Tribunais.

2. Neste sentido, de resto, dispõe o artigo 14.º da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08): “Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação.”

3. A ideia subjacente a este preceito é a seguinte: competente para aplicar as medidas previstas na Lei da Amnistia é quem aplicou a sanção criminal ou disciplinar.

4. Os juízes, em qualquer instância judicial, não são os juízes do “julgamento” da infracção nem da condenação. E apenas podem aplicar a Amnistia a sanções aplicadas nos processos judiciais, como decorre, a contrario, do citado preceito. Não podem aplicar a Lei da Amnistia, directamente, nos processos administrativos, disciplinares. Fazendo-o, violam o referido artigo 14.º da Lei da Amnistia e, com ele, o princípio constitucional da separação de poderes.

5. Não importa aqui saber se a Lei da Amnistia tem eficácia ex tunc ou ex nunc. Importa extrair da Lei da Amnistia a única solução compatível com a letra da lei: o tribunal não pode aplicar a Lei da Amnistia ao caso concreto em processo administrativo. E sendo certo que retirar efeitos jurídicos para o processo judicial da Lei da Amnistia aplicável ao processo disciplinar é aplicar a Lei da Amnistia no processo administrativo.

6. Os artigos 6º e 14º da Lei da Amnistia de 2023, na interpretação contrária a esta, são inconstitucionais, por violação do princípio constitucional, da separação de poderes.

7. No caso concreto não se poderia, mesmo sob entendimento diverso destas normas, aplicar a Lei da Amnistia por não estar demonstrado nos autos que a infracção em causa constitui ilícito criminal amnistiado pela Lei da Amnistia, nem ser possível determinar, se a infracção está amnistiada face à pena aplicável em abstracto, dado o disposto no artigo 6º da Lei da Amnistia, e, finalmente, por não resulta dos autos a idade do visado.

8. Quanto ao pedido do autor no sentido de lhe serem restituídos os direitos salariais correspondentes aos 150 dias de suspensão, não se compreende a afirmação feita na decisão recorrida de que “não cabe, nesta sede, apreciar”; não existe outra sede para apreciar este pedido, dirigido ao tribunal na acção judicial, que não seja a decisão de mérito no processo judicial.

9. Ainda que fosse aplicável no processo judicial e ao caso concreto a Lei da Amnistia – e não é, como vimos – esta Lei e os seus efeitos em nada bulem com o pedido deduzido na acção principal.

10. Isto porque este pedido se situa para além da mera anulação do acto. Pressupõe a declaração de invalidade do acto impugnado, mas não se reduz a este pedido. Vai para além desse pedido.

11. Assim a aplicação da Lei da Amnistia apenas teria a virtualidade – se fosse aplicável ao processo judicial – de fazer desaparecer da ordem jurídica o acto punitivo e, assim, o objecto da acção nessa parte. Não teria a virtualidade de fazer desaparecer da ordem jurídica a relação jurídica em litígio cuja causa de pedir se traduz na ilegalidade do acto – essa permanece apesar da aplicação da Lei da Amnistia- e nos prejuízos causados com a sua prática.

12. De resto a Lei da Amnistia destina-se a impedir a punição do infractor que tenha cometido uma infracção amnistiada. Não se destina a impedir que esta seja ressarcido por acto punitivo ilegal.*
* Sumário elaborado pelo relator(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)

Processo 00767/08.8BEPNF, 1ª Secção – Contencioso Administrativo, 17-05-2024 TAF de Penafiel

I – Ante a impossibilidade da prova legal, por documento, de múltiplos factos integrantes da causa de pedir, devido à falta de remessa do processo administrativos de determinadas empreitadas e a escassez de documentação nos P.A.s de outras, imputáveis ao Município, impõe-se recorrer ao disposto nos artigos 417.°, n.° 2 do CPC (ex vi art. 430.° do mesmo diploma), sem prejuízo da inversão do ónus da prova prevista pelos termos do art. 344.°, n.° 2 do CC, bem como aplicar, analogicamente, o disposto no art. 84.° n.° 5 do CPTA (na redacção anterior ao DL 214-G/2015). A partir deste momento lógico deixa de ter sentido alegar a falta das provas legais, de formalidades ad probationem de determinados factos integrantes ou conexos com a execução das empreitadas, pois é essa falta que determina a licitude, mais, a necessidade jurídica, de se recorrer aos dispositivos das sobreditas normas de direito probatório.

II – Factos a considerar, no julgamento da lide, não são todos e quaisquer factos que resultem da instrução da causa, nem todos e quaisquer factos em abstracto subsumíveis à enunciação de um tema da prova, mas apenas os factos alegados (nº 1) e os demais factos subsumíveis ao enunciado do nº 2 do artigo 5º do CPC, nas condições aí exigidas.

III – Não estando provados factos que determinassem a nulidade do contrato, que, recorde-se, não fora arguida nos articulados, tão pouco havia que seleccionar como facto relevante o facto, não alegado, de que o contrato de cessão de créditos datado de 9/6/2008 fora simulado, para que o seu pagamento fosse tributado em IRC e não em IRS, i.é., a uma taxa menor.

IV – O objecto do recurso na matéria de facto não consiste num novo julgamento, mas sim na critica da decisão da primeira instância à luz das normas que regem a prova legal, da lógica e das regras da experiência comum.

V – Decisão surpresa é aquela que surja com preterição do contraditório devido. Ora o contraditório é devido sobre todas as questões de direito ou de facto sobre cuja resolução assente a decisão: tal é a regra que se extrai da definição do princípio no nº 3 do artigo 3º do CPC. Mas também é certo que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (nº 3 do artigo 5º do mesmo código. O Recorrente Réu pode bem ter sido surpreendido pela decisão de se dar por provados factos que ele cuidava deverem ser julgados não provados por inexistirem nos autos os documentos que em princípio e legalmente se prestariam a prová-los e por, tratando-se de factos alegados e ou que interessavam à Autora, ser ónus dela fazer a respectiva prova. Não foi, contudo, surpreendido pela consideração dos mesmos na decisão, pela questão da sua prova ou não prova, nem pela falta dos documentos no processo, enfim não foi surpreendido por questão alguma, de que tenha resultado, sem contraditório, a decisão da causa.

VI – Decorre do art.° 12° da Lei 48/99, de 16.6 que, criado um novo município, é sobre o município de Origem que recai a obrigação de satisfazer todos os pagamentos relativos a bens transmitidos para o novo município, sem prejuízo de sobre as dívidas vencidas posteriormente à data da criação do novo Município gozar, aquele, sobre este, de direito de regresso.

VII – Quanto a créditos emergentes de trabalhos que se provou terem sido objecto de auto de medição em data determinada é possível determinar o início e o termo de um prazo legal de pagamento, segundo o regime de empreitada de obras públicas aplicável, pelo que a mora se iniciou no termo desse prazo. Quanto aos demais, o dies a quo da mora é o da citação. A argumentação de não serem líquidos releva de deficiente interpretação do invocado nº 3 do artigo 805º do CC, pois confunde a existência de controvérsia das partes acerca da existência e do montante dos créditos, com a sua liquidez, quando o certo é que são e eram, por natureza, líquidos e foi como líquidos e liquidados que a Autora os reclamou na Petição Inicial.

VIII – À validade e à eficácia de um contrato de cedência de posição contratual e de créditos putativamente provenientes da aplicação, a contrato nulo, do regime do artigo 289º do CC obsta a nulidade deste negócio. É que se o contrato era nulo – e isso não está em causa – portanto, de nenhum efeito, não havia qualquer posição contratual a transmitir, muito menos qualquer crédito com fonte negocial, pois esse relevaria da sanção jurídica (nulidade) da sua ilegalidade, pelo que a sua transmissão mediante negócio jurídico não pode ter a tutela do direito, sob pena de se permitir a fraude à lei.*
* Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)