Contencioso Administrativo
Processo 015/15.4BELSB – Acórdão STA, de 13 de fevereiro de 2025
I – Importando determinar da abrangência ou âmbito subjetivo de aplicação da norma contida no artigo 196.º do Código dos Valores Mobiliários, por referência aos titulares das ações remanescentes, quando interpretada à luz do Direito da União, concretamente na aceção do art. 16.º da Diretiva n.º 2004/25/CE (“qualquer titular dos valores mobiliários remanescentes”), com vista a dissipar as dúvidas existentes, impõe-se formular questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
II – O reenvio prejudicial determina a suspensão da instância, nos termos dos artigos 267.º do TJUE e 269.º e 272.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA.
Processo 0131/16.5BEPDL – Acórdão STA de 13 de fevereiro de 2025
I – Segundo o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 87.º da LOSJ, nos casos em que, por determinação do Conselho Superior da Magistratura, um juiz exerça funções em mais de um tribunal ou juízo da mesma comarca, esse exercício de funções confere apenas direito a ajudas de custo e ao reembolso das despesas de transporte em função das necessidades de deslocação nos termos da lei geral.
II – Inexistindo, à data dos factos, no ETAF ou em outro diploma legal, uma regra expressa que conferisse aos juízes o direito a uma remuneração pelo exercício de funções em mais de um tribunal, sempre se teria de aplicar o artigo 87.º, n.º 2 da LOSJ por remissão do artigo 7.º do ETAF.
Processo 0807/21.5BESNT, Acórdão STA, de 30 de janeiro de 2025
I – O legislador consagrou nos n.ºs 3 e 4 do artigo 192.º do EOA a competência funcional da Ordem dos Advogados para a nomeação de advogado para exercer as funções de patrono, ainda que o possa fazer apenas no limite de um estagiário por patrono, dos dois estagiários que cada patrono pode, no máximo, acompanhar. Como também se retira que os patronos só se podem escusar a tal nomeação por parte da Ordem dos Advogados, «quando ocorra motivo fundamentado».
II – A competência da Ordem dos Advogados para nomear oficiosamente patrono a estagiários que não conseguem angariar um advogado que, consensualmente, os acompanhe na direção do estágio – competência que resulta do disposto nos nºs 3 e 4 do art. 192º do “E.O.A.” – representa uma necessária válvula de escape para que a exigência do acompanhamento por um advogado/patrono não configure – nos casos de impossibilidade de nomeação consensual – uma restrição, constitucionalmente inadmissível, ao direito fundamental de acesso à profissão de advogado, tutelado nos arts. 47º, nº 1 e 58º, nº 2 b) da CRP – restrição que a “O.A.” tem o dever constitucional e legal de afastar.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Processo 02188/23.3BEPRT – Acórdão do STA de 23 de janeiro de 2025
I-Apresentando a «Memória descritiva e justificativa» que acompanha a proposta da concorrente desconformidades em relação a alguns dos materiais exigidos em Caderno de Encargos, mas constando da «Lista de preços unitários» que nela o concorrente procedeu à correta indicação de todos os materiais previstos em Caderno de Encargos, está-se perante duas declarações suscetíveis de se contradizerem, pelo que, qualquer declaratário médio colocado na posição do real declaratário que se visse confrontado com essas divergências ficaria na dúvida sobre se o concorrente se propunha executar os trabalhos de acordo com o CE, conforme genericamente declarou na declaração de aceitação (a que se refere a al.a), n.º1 do art.º 57. Do CCP), ou se antes se propunha executar aqueles trabalhos utilizando os tipos de material que, em concreto e especificamente, identifica na «Memória Descritiva e Justificativa». Por outro lado, tendo em conta a «Lista de preços unitários» qualquer declaratário médio ficaria na dúvida se, não obstante a CI ter indicado na «Memória descritiva e justificativa» que em relação a certos itens colocaria materiais diferentes dos previstos em CE, os iria efetivamente colocar, porquanto na lista de preços se referia aos materiais indicados em CE e não àqueles outros.
II-Essa situação de dúvida, é tão mais justificada, quando se atenta na natureza genérica da declaração a que se refere a al. a) do n.º1 do art.º 57.º do CCP, por contraposição à declaração exarada na «Memória Descritiva e Justificativa» que é uma declaração especifica/concreta que prevalece sob a primeira.
III-Impunha-se ao júri do procedimento que, nos termos do artigo 72.º, n.º1 do CCP tivesse solicitado esclarecimentos à concorrente, sem o que não podia concluir, como concluiu, que a proposta da concorrente não enfermava de qualquer causa de exclusão, dando prevalência ao documento «Lista de Preços Unitários» e à declaração de aceitação a que se refere a al.a), n.º1 do art.º 57.º do CCP, desconsiderando a «Memória descritiva e justificativa», por não resultar da conjugação desses documentos, sem mais, estar-se perante um erro de escrita ou de cálculo contido na proposta, que nos termos do n.º4 do artigo 72.º do CC, lhe permitisse a sua retificação oficiosa.
IV-A correta interpretação do disposto no artigo 72.º do CCP, mormente, da norma do seu n.º 1, força que se considere incluído no objeto dos esclarecimentos o suprimento pelo concorrente de uma eventual contradição entre documentos que integram a proposta relativamente a um termo ou condição da proposta que não seja suscetível de ser retificado oficiosamente, o que sucederá, quando, como na situação em análise, dos documentos que constituem a proposta não se possa concluir que a concorrente incorreu num lapso ou erro de escrita manifesto, e desde que, num juízo de prognose se conclua que o pedido de esclarecimentos não constitui uma possibilidade para a concorrente alterar a sua proposta no sentido de nela incluir atributos que não se pudessem considerar já como integrantes da proposta inicial, de modo a que daí não resulte a violação de nenhum dos princípios nucleares da contratação pública, como os da concorrência, da transparência, da igualdade de tratamento e da estabilidade da proposta.
V-Tendo a concorrente esclarecido na contestação que apresentou no âmbito da presente ação que a indicação a que procedeu na «Memória Descritiva e Justificativa» de materiais diferentes dos fixados no CE se ficou a dever a mero lapso de escrita e, sendo certo que a sua proposta deve valer com o sentido que dela se tem de extrair por referência à globalidade dos documentos que a integram, seria inaceitável que o Tribunal anulasse o ato admissão da proposta da CI com base nessas divergências, para que o Júri do Procedimento desse cumprimento a uma formalidade cujo resultado já se conhece. A uma tal consequência opõe-se o princípio do aproveitamento do ato administrativo, enquanto corolário do princípio da economia dos atos públicos, que consta presentemente do n.º 5 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
VI-Estando previsto nas Cláusulas Complementares do Caderno de Encargos que todos os encargos com as redes provisórias, incluindo luz elétrica e fornecimento de água, serão por conta do empreiteiro e que os respetivos encargos deverão estar contabilizados nos preços unitários do concurso, e tendo a concorrente declarado na «Memória Descritiva e Justificativa» que apresentou com a sua proposta que esses encargos com o fornecimento de água e de luz elétrica corriam por conta do Dono da Obra, essas declarações contrariam frontalmente o disposto em tais cláusulas, e nenhum vislumbre de dúvida se suscita que carecesse de ser esclarecida, pelo que não se justificava que o júri tivesse dirigido à concorrente, como fez, um pedido de esclarecimentos.
VII-O pedido de esclarecimentos que o júri dirigiu à concorrente, nestas circunstâncias em que se está perante afirmações claras, congruentes e inequívocas, não teve outro propósito objetivo que não o de facultar à concorrente a oportunidade de dar o dito por não dito na proposta inicial, alterando-a, de modo a conformá-la com as referidas exigências do CE.
VIII-Embora a possibilidade de os concorrentes procederem ao suprimento de irregularidades nas respetivas propostas tenha conhecido uma abertura por parte do legislador inexistente com essa amplitude antes da entrada em vigor das alterações ao CCP aprovadas pelo D.L. 78/2022, de 07/11, não pode admitir-se, mesmo à luz da redação do art.º 72.º, n.º3 conferida ao CCP pelo referido diploma, a possibilidade de o concorrente substituir a proposta apresentada por outra alterada em termos que afetam o seu conteúdo, e que violam “o núcleo da posição equitativa e concorrencial dos operadores económicos cumpridores”.
IX-O conhecimento da questão suscitada pela Recorrente de saber se no domínio dos recursos interpostos de decisões proferidas no âmbito do contencioso pré-contratual se deve aplicar a «Tabela II» e não a «Tabela I-B», ambas do RCP, e consequentemente, de não haver lugar à cobrança do remanescente da taxa de justiça, não perdeu utilidade no âmbito do presente recurso, em consequência da sua procedência, não obstante, com a revisão operada pela Lei n.º 27/2019, de 28/03, o n.º 9 do artigo 14.º, n.º9 do RCP ter passado a dispor que “9 – Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final”.
X-Com esta nova redação do n.º 9 do artigo 14.º do RCP , não obstante a parte vencedora já não tenha de pedir a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente nem esse pagamento esteja dependente da intervenção oficiosa do Tribunal- estando aquela dispensada ope legis do pagamento da taxa de justiça remanescente-, porque na conta final a elaborar o contador terá de calcular o valor do remanescente da taxa de justiça devida pelo vencedor pelo impulso inicial, que por aquele foi paga apenas até ao limite de 275.000,00€, de modo a imputar o valor do remanescente da taxa de justiça devida ao vencido, é apodítico que o facto de a Recorrente ser vencedora, não dispensa a apreciação da questão que vem colocada de saber se neste tipo de recursos se aplica ou não a «Tabela I-B» do RCP.
XI-Estando em causa uma ação de contencioso pré-contratual urgente, a taxa de justiça, em sede de recurso, é determinada de acordo com a «Tabela I-B», pelo que poderá haver lugar ao pagamento do designado remanescente da taxa de justiça nas situações mencionadas no n.º 7 do art.º 6º, se não for dispensado.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Processo 0407/22.2BEAVR – Acórdão STA de 9 de janeiro de 2025
I – O artigo 99.º do CPTA instituiu no contencioso administrativo um novo tipo de processo declarativo, de natureza urgente [cfr. al.b), n.º1 do artigo 36.º do CPTA] destinado à impugnação dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos («de massa») relativos a concursos de pessoal, procedimentos de realização de provas e procedimentos de recrutamento -(cfr. alíneas a), b) e c), n. º1 do art.º 99.º do CPTA), que digam respeito a mais de 50 participantes, estando a sua impugnação, nos termos do n.º2 desse preceito, sujeita ao prazo de impugnação de 30 dias ( n.º2 do art. 99.º), quer os atos questionados enfermem de vícios determinativos da sua mera anulabilidade, quer padeçam de desconformidades mais radicais que o ordenamento jurídico fulmine com nulidade, ainda que a ação seja proposta pelo Ministério Público.
II – A norma do n.º 2 do art. 99.º do CPTA é um dos casos em que o legislador estabeleceu a preclusão do direito de impugnar um ato administrativo, anulável ou nulo, quando entre a sua prática e o momento em que a ação seja proposta já tiverem decorrido mais de 30 dias, fazendo prevalecer os valores da segurança jurídica, da proteção da boa-fé e da confiança dos envolvidos nesses procedimentos em detrimento dos valores da legalidade.
III – De acordo com a jurisprudência do STA, o ato de homologação da lista de classificação final proferido no âmbito de um processo de recrutamento e seleção para o exercício de funções na Administração Pública, consubstancia um «ato plural», divisível em tantos atos quantos os classificados, contendo tantas decisões quantos os candidatos que integrem essa lista.
IV – Perante atos eivados de nulidade decorrente de atuação suscetível de configurar a prática de crime por parte de uma candidata que foi graduada e ocupa um posto de trabalho em consequência de um procedimento concursal de recrutamento para a Administração Pública, cujo procedimento criminal não se encontre ainda prescrito, tomando em consideração que a causa de nulidade se prende com o acesso fraudulento a uma prova de conhecimentos, a posição subjetiva da candidata, única afetada pela declaração de nulidade que venha a ser decidida, não poderá beneficiar da aplicação do mecanismo do artigo 99.º do CPTA, por a sua posição não merecer qualquer tutela ao nível da boa-fé ou proteção da confiança.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Processo 0155/24.9BELSB – Acórdão STA de 4 de dezembro de 2024
Para que uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias seja admitida é necessário que se verifique uma lesão atual do direito fundamental cuja tutela se pretende obter.
Processo 01515/23.8BEPRT – Acórdão STA, de 6 de junho de 2024
O artigo 63.º da Directiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Directiva 2004/18/CE, lido em conjugação com o artigo 59.º e o considerando 84 desta directiva, deve ser interpretado no sentido de que: se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual um operador económico que pretenda recorrer às capacidades de outra entidade para a execução de um contrato público apenas deve transmitir os documentos de habilitação dessa entidade e a declaração de compromisso desta última após a adjudicação do contrato em causa.
Processo 061/19.9BEPRT – Acórdão STA, de 6 de junho de 2024
I – O direito a uma decisão administrativa em prazo razoável, em especial no caso de procedimentos disciplinares, é objeto de uma proteção multinível, a qual impõe ajustamentos hermenêuticos dos diferentes regimes em ordem à otimização da proteção intencionada.
II – O exercício da profissão de advogado é um “direito de caráter civil” para efeitos do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), pelo que os procedimento disciplinares movidos contra advogados em razão do exercício da sua profissão – no âmbito dos quais podem vir a ser aplicadas sanções que põem em causa, temporária ou definitivamente, o exercício de tal direito – dão origem a uma “contestação” ou “litígio” sobre direitos civis a que é aplicável o citado preceito da Convenção na sua vertente civil.
III – Tem-se entendido, por outro lado, que, nos casos relativos à duração de procedimentos, uma decisão ou medida favorável ao queixoso – como, por exemplo, a prescrição do procedimento – não é, em princípio, suficiente para lhe retirar o estatuto de “vítima”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 34.º da CEDH, a menos que as autoridades nacionais reconheçam a violação, de forma expressa ou em termos materiais, e atribuam uma reparação.
IV – As demoras procedimentais excessivas também relevam no âmbito do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RCEEP), enquanto expressão de um funcionamento anormal do serviço.
V – Devido ao princípio da subsidiariedade, a CEDH não é direta e imediatamente aplicável aos casos de duração excessiva de procedimentos disciplinares: o sancionamento das violações de direitos e liberdades objeto de proteção simultânea nos planos constitucional e convencional compete, em primeira linha, às autoridades nacionais competentes em razão da ordem interna; mas é o Estado soberano na ordem internacional que responde pelas violações dos direitos convencionais cometidas no âmbito da sua jurisdição por autoridades públicas (responsabilidade internacional do Estado).
VI – Compete exclusivamente à Ordem dos Advogados, enquanto associação pública de profissionais, exercer a disciplina sobre os seus membros, gozando tal entidade em relação a tal atribuição de plena autonomia, nomeadamente face ao Estado.
VII – Para efeitos de avaliação equitativa do dano não patrimonial por demora excessiva na decisão de um procedimento disciplinar instaurado contra um advogado pela respetiva ordem profissional não devem ser considerados como fatores relevantes ou adequados a qualidade profissional de advogado e a sua experiência ou competência, a eficácia da sua defesa ou a circunstância de o procedimento ter sido extinto por prescrição.
VIII – Em sede de recurso de revista, não pode ser apreciada a eventual atribuição de uma indemnização suplementar por atrasos verificados na decisão do próprio recurso de revista, uma vez que o Supremo Tribunal Administrativo, ressalvadas as exceções legais, não pode decidir em primeira instância nem pode, enquanto tribunal de revista, conhecer da matéria de facto.
Processo 0275/22.4BECTB, Acórdão STA, de 7 de dezembro de 2023
Por ser matéria de complexidade superior ao comum que ainda não foi suficientemente tratada no Supremo e que provavelmente se irá colocar num número indeterminado de situações futuras, é de admitir a revista onde está em causa a questão de saber se a proposta da A. foi bem excluída por os factos provados permitirem concluir pela existência de fortes indícios de falseamento da concorrência.